Ser-tão no vazio do devir.

Manuel Nogueira

02.03.2021

CASSIANA DER HAROUTIOUNIAN

sem nuvem não adianta dançar 

mais vale fazer 
fumaça 
castigando a terra com os 
pés 

quem racha seco 
precisa exprimir fora 
o mar de si 
e aprender 
a vazar 

 Sertão, do livro Corpos, de Arthur Lungov
O tempo está dilatado, com passado presente e futuro sobrepostos. Já não se sabe mais a distância do ontem para o amanhã. O hoje é presente, carrega em si todas as urgências, devaneios e ansiedades, mas jamais reproduzirá o sentimento original que temos do escoamento de nós mesmos.

"(...) e viver consiste em envelhecer. Mas é, da mesma maneira, um enrolar-se contínuo, como o de um fio numa bola, pois nosso passado nos segue, cresce sem cessar a cada presente que incorpora em seu caminho; e a consciência significa memória". Henri Bergson.
O que Bergson diz é que cada ser humano pode experimentar diferentes temporalidades que, de algum modo, ressoam com durações que fazem parte do universo. Ele propõe o puro pensamento e uma maneira mais ética de viver que implica em empatia com outros seres, de forma a experimentar durações maiores, menores ou iguais as nossas, convocando um pensamento por meio do qual possamos nos transportar para o interior do outro e de nós mesmos.
Manuel Nogueira

O TEMPO COMO UMA MANEIRA DE EXPERIMENTAR A VIDA, COMO UM AFETO, UM MODO DE SER E DE ESTAR PRESENTE NA TERRA.

 Cada tempo vivido incorpora uma singularidade que entra na memória-homem, acionada conforme a excitação (estímulos) do presente e do encontro, nos permitindo coexistir com todo o nosso passado.

Pensar o tempo como um acúmulo de histórias e camadas despertas ao devir nos provoca a estar no momento imediato longe de uma duração humana, demasiadamente humana, sem responder por inércia aos estímulos do presente. Isso nos dá outras possibilidades de ser e estar, permitindo acessar uma subjetividade espiritual, uma arte do sonhar e do amor, experimentando o nosso próprio eu mais profundo em seu fluir através do tempo. 
“Orientados de dentro para fora, constituem, reunidos, a superfície de uma esfera que tende a expandir-se e perder-se no mundo exterior. Mas se me concentro da periferia para o centro, se procuro no fundo de mim mesmo o que é mais uniforme, mais constante, mais durável, eu mesmo encontro algo totalmente diferente”. Henri Bergson.

Deixar-se tocar pela temporalidade própria de cada coisa, distante da duração funcional dessa crosta solidificada na superfície de cada indivíduo, permite ao “eu profundo” aderir aos movimentos próprios do mundo existente e da vida, dando-se conta de que a vida se dá também nesse chão que treme.
“...Enquanto os experimentava, eles estavam tão solidamente organizados, tão profundamente animados com uma vida comum, que eu não teria podido dizer onde qualquer um deles termina, onde começa o outro. Na realidade, nenhum deles acaba ou começa, mas todos se prolongam uns nos outros.” Henri Bergson

Estamos o tempo todo de nossa existência em constante movimento, entre encontros, desencontros e afetos. Estar desperto ao sensorial e ao eterno devir em nossas tantas camadas de passados e presentes pode ser o caminho para este tempo que habitamos.