Obrigado, Sísifo.

Frame de “Now, Build More”, video clipe de Waave.

27.08.2024

KEID DE SAMMOUR

As pedras não são divindades. Elas não estão lá para serem adoradas, fixas no tempo, inalcançáveis. As pedras não são um peso morto a ser carregado, nem uma montanha que sufoca sob o próprio peso. Elas são sementes. Cada uma delas. Peças de um novo jogo, um jogo sem fim.

Pare de empilhar. Desista de erguer a montanha mais alta. Abandone a ideia de alcançar o cume, de olhar de cima, de conquistar. Essa conquista, essa vitória, é uma ilusão que nos esgota, pois não nos pertence. Porque, depois do cume, só há a queda. E então, começa de novo o ciclo da mesma construção, do mesmo erro.

Deixe as pedras rolarem. Quebrá-las é o primeiro passo. O segundo é espalhá-las. Deixe que se espalhem, que ocupem o espaço em novas formas. Não precisamos de uma nova Babel, nem de uma muralha. Precisamos de novos platôs, pequenas elevações, novos pontos de vista.
Pedras soltas, leves, formando pequenas trilhas, não muros. Um caminho que não é reto, mas que se curva, se dobra, se entrega ao desejo de se adaptar. O segredo não está em acumular, mas em distribuir. Não está em erguer uma estrutura única, mas em espalhar possibilidades. 

 Construir é um verbo cansado. Vamos subvertê-lo e radicalizá-lo. Em vez de acumular, vamos dissipar. Em vez de prender, vamos liberar. Em vez de solidificar, vamos fluidificar. Porque a construção que nos vendem é uma prisão. Ela controla, esgota, apaga. Não há Eros nela, apenas a repetição.

Eros é movimento. É fluxo, desejo, vida. Eros faz as pedras serem pequenos pontos de partida. São escadas, não barreiras. São veredas, não cercas. São pontes que levam a outras pontes, não um fim em si mesmas.

Obrigado, Sísifo.

Por sua determinação. Por sua resistência. Por nos mostrar a insignificância de empurrar a mesma pedra, montanha acima, todos os dias. Você insistiu no valor da luta, da resiliência — e esses mesmos valores se voltam contra nós. 

 É chegada a hora de descer a montanha. Deixe a pedra rolar de volta. Nós a quebramos, Sísifo. Estilhaçada pelo peso de nossa revolta, ela não é mais uma só. Elas são muitas. E com elas, não construiremos mais topos. Construiremos novos territórios, constantes rupturas, modos diferentes de ser e existir.

Destrua. Quebre. Disperse. E então, crie de novo. Mas não a mesma coisa, nunca a mesma coisa. Crie algo que não seja uma repetição, mas uma variação. Um novo discurso, uma nova forma, uma nova linha de fuga. E quando terminar, quebre de novo. Porque nada deve durar para sempre.

Recusamos o seu sofrimento, Sísifo. Recusamos o cansaço que ele nos causa, e recusamos o fazer sem sentido que se tornou virtude.