Não Gostou?
Então Olha de Novo.

Foto de Marcos Serra Lima

15.04.2025

SABOTHATI

Ao mergulhar na pesquisa para dirigir o documentário Passinho Foda - O Corre por trás da Dança, ficou claro desde o início que não se tratava apenas de registrar um movimento, mas de estabelecer um diálogo com uma expressão cultural viva. Esses jovens artistas que dançam em casa, na laje, nos bailes e nas batalhas não são apenas personagens de uma história passada – são autores do agora. Observar como aqueles que criaram o movimento anos atrás hoje colhem os frutos de um trabalho construído com esforço e dedicação é algo potente e inspirador.

No começo, tive um receio: será que, com um olhar de fora, sem sotaque carioca e sem fazer parte do universo do funk, eu poderia contar essa história de forma legítima? Mas felizmente, esse medo se dissipou logo nos primeiros dias.  

Contar histórias é um direito – desde que se faça com respeito àqueles que concedem o privilégio de compartilhá-las.

Foto de Marcos Serra Lima
Foi com esse pensamento que eu e meu amigo e co-diretor, Fred Ouro Preto, tomamos uma decisão fundamental:

Não queríamos fazer um filme sobre o Passinho, 
mas com o Passinho.

Trancar-se em uma sala para escrever um roteiro não faria sentido. As melhores ideias surgiram na rua, nos ensaios, nas conversas, nas festas, nas risadas e até nos embates que antecederam qualquer estruturação no papel. 

Nessas trocas, um entendimento se tornou evidente: por trás dos passos rápidos e complexos, da consciência corporal e da força física, havia uma verdade simples – no início, a intenção era apenas se divertir e ser visto nos bailes. Mas, na favela, diversão nunca é apenas diversão. Ela se torna um ato político. A cada novo movimento criado, a cada grupo formado, reafirma-se uma existência: "estamos aqui." 

O Passinho nunca pediu permissão para existir. Ele simplesmente ocupou. Primeiro os bailes, depois as ruas, em seguida as telas de TV, do cinema e das redes sociais. E, nessa ocupação, revelou algo essencial sobre a sociedade: ela consome cultura preta, mas muitas vezes nega dignidade aos seus criadores e à sua arte.
Foto de Marcos Serra Lima
Foto de Marcos Serra Lima
Foto de Marcos Serra Lima

"Você não gosta do meu corpo? Então eu vou dançar e vou dançar tão bem que vou fazer vocês gostarem e ainda me aplaudirem." 
– Pablinho Fantástico

Talvez o que mais me emocione no Passinho seja essa capacidade de transformar rejeição em combustível. "Não gostou? Então olha de novo" – essa parece ser a filosofia. O Passinho reescreve as regras e rompe barreiras. Enquanto filmávamos, não estávamos apenas registrando passos de dança, mas documentando um novo capítulo da resistência cultural no Brasil. 

O funk e o Passinho carregam uma lógica ancestral: aquilo que nasce como expressão de alegria logo se torna ferramenta de sobrevivência simbólica. Assim como rituais sincronizados, no passado, serviam para intimidar predadores, os bailes funk desafiam a marginalização ao ocupar espaços com corpos que se movimentam. A euforia da dança explica parte da compulsão pelo movimento, mas o impacto social vai além – constrói-se uma comunidade que, por meio da sincronia, afirma: "existimos, criamos e não seremos apagados."
Foto de Marcos Serra Lima
Assim como nossos ancestrais descobriram que a sincronização transformava a fragilidade em força coletiva, o Passinho nasce desse mesmo princípio. Jovens periféricos, em um contexto que os vulnerabiliza, transformaram passos individuais e coletivos em arte – e em um corpo político sincronizado. 

No final, ficou a certeza de que o Passinho é maior que qualquer filme. Ele é uma linguagem viva, uma memória em movimento.

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