Afropunk: expression
is inherently resistant.

Eu já fui essa criança e se você for pretx, provavelmente, você também foi. Demorou, mas hoje ovaciono cada fiozinho de cabelo crespo, narinas largas e lábios carnudos que existem em mim. Experienciar a negritude é bom demais e é realmente triste que a maioria de nós, tenhamos experimentado dores até atingir o máximo de nossas potências. Mas hoje não quero falar sobre as experiências ruins causadas pela branquitude, e sim sobre uma experiência positiva de negritude.

Minha geração cresceu com poucas referencias pretas na mídia. Na tv, me divertia com programas como Um Maluco no Pedaço, Eu, a Patroa e as Crianças, As Visões da Raven e Todo Mundo Odeia o Chris. Mais tarde, na adolescência, descobri o que veio a ser meu tipo de filme predileto: blaxpoitation. Vibrava ao assistir filmes como Shaft, Superfly e Coffy, com personagens pretos, música preta, narrativas pretas e a genial inversão do status quo ao colocar os brancos sempre como vilões e causadores de todas as mazelas da sociedade e pretos como heróis. O gênero é fruto de um movimento surgido nos Estados Unidos nos anos 70, que propunha cinema feito por pessoas pretas para pessoas pretas. Isso deu uma pane no meu cérebro, se no Brasil já nos anos 2000 a gente ainda não tinha conseguindo quase nada em frente às cameras, imagine só atrás delas?

Eis que há algumas semanas atrás, estive num set de filmagem. Nesse set, elenco inteirinho preto, diretora preta, maquiador, figurinista, cabelereiro, todos pretos. Pane no cérebro de novo. Uma propaganda feita para um banco com o intuito de apresentar no Brasil, o maior festival de cultura preta do mundo. Isso tudo dirigido por uma mulher preta, isso tudo dirigido por mim. Uau, é indescritível a sensação de saber que tem tanta gente no mesmo lugar se inspirando mutuando. Se de um lado, eu aplaudia sem parar o trabalho dessas pessoas, de outro, as mesmas diziam com palavras e com olhares, que aquela experiência era única. O filme saiu e ficou lindo, elogiado em todas as pontas, cliente, agencia, amigos, desconhecidos. E a gente sabe que ficou verdadeiramente bom. A gente sabe mesmo. E tenho certeza que lá atrás, nossos precursores sabiam também. No fim, tudo que a gente precisa, é de uma chance pra realizar. O resto, vai ser muito trabalho e pouco de magia.

por isso deixo o desafio aqui à todxs que puderem: criem oportunidades para pessoas pretas. Sempre. E quando não for possível, trabalhem pra criar ferramentas para que um dia seja. Estamos aqui, (r)existimos e nossas histórias são muitas, cheias de pluralidade e complexidade, prontas para serem vividas, escritas e filmadas.

Que ainda haja tempo de amar a criança que fomos no passado, as que existem no agora e as que virão no futuro. Por isso, mudo o tom da pergunta inicial: quantas meninas e meninos pretos estão em frente o espelho se amando nesse exato minuto?