O que a arte generativa é capaz de simular?

Instalação 'The Transfinite' do artista Ryoji Ikeda.

22.02.2022

RAFA DINIZ

Ao clicarmos em um player que dispara algo que se manifesta como se tivesse vida própria, ou que, a cada clique ou interação, aquilo que é transmitido se altera em maior ou menor grau — elementos que mudam de posição, movimento, cor, sonoridade etc. —, provavelmente se trata de uma experiência relacionada à ideia de "arte generativa".

Embora alguns requisitos do que se entende por generativo tenham estado sempre presentes na arte, relacionamos tal conceito mais fortemente à arte produzida e/ou mediada por novas tecnologias, como computadores, autômatos, dispositivos móveis etc. A ideia de arte generativa também está bastante ligada a outras etiquetas, como arte computacional, creative coding, software art, entre outros.

No que se refere à concepção, o generativo se estabelece como uma máquina algorítmica capaz de gerar formas e padrões que se alteram a partir de estratégias estabelecidas pelo artista. O artista cria uma máquina que cria, que se auto gera.

"Generative design is not about designing a building,
it's about designing the system that designs a building".
– Lars Hesselgren, pesquisador dinamarquês de arquitetura e urbanismo.

Um dos elementos fundamentais em obras generativas é o caráter randômico (entropia) — ou seja, é o controle de funções pseudo randômicas que determina o nível de previsibilidade dos resultados a cada reiteração ou durante a sua própria execução, o que, de certa maneira, é o que mantém a sensação de que algo está vivo na obra:

“The key element in generative art is then the system to which the artist cedes partial or total subsequent control”. – Philip Galanter - What is Generative Art? Complexity Theory as a Context for Art Theory. 

Há um exagero e, talvez, ingenuidade quando se acredita que o artista não tem certo controle do resultado nesse tipo de arte, como se a obra estivesse totalmente à deriva, quando, na grande maioria das vezes, o artista tem bastante consciência e controle da resultante global de sua obra. Digamos que o fator randômico apenas possibilita ao artista obter resultados que seriam difíceis de alcançar de maneira manual, no que se refere a texturas, movimentos, padrões de sonoridade etc. Um dos melhores exemplos no que se refere a algoritmos geradores de números pseudo randômicos é o perlin noise, que é usado amplamente para simular comportamentos ou formas naturais.

Não há limites quando se pensa no que é possível fazer por meio de algoritmos generativos. Uma peça de arte generativa pode ser desde simples formas visuais sintéticas até modelos matemáticos, sociais, linguísticos, biológicos ou sistemas paramétricos geradores de padrões usados em mega construções arquitetônicas, como no caso do Centro Aquático Nacional de Pequim (Cubo D’água).
O teto acima da piscina mostra a estrutura em forma de
Obviamente que, com a presença da inteligência artificial e do big data, determinadas obras de arte generativa ganham ares de superprodução, como as do artista turco Refik Anadol. Muitas delas utilizam como input gigantes bancos de dados às vezes obtidos em tempo real e traduzidos por meio de formas com muito impacto visual. Já outros artistas partem de ideias minimalistas visualmente, como o japonês Ryoji Ikeda, que aproveita dados de aspectos físicos do som para gerar esculturas audiovisuais imersivas, nas quais a parte visual se estabelece como uma extensão do som, permanecendo em total simbiose com ele.
'Nature Dreams', obra do artista Refik Anadol.
'Quantum Memories', Refik Anadol.
Ryoji Ikeda, datamatics [protótipo versão 2.0], 2006. Foto: Ryuichi Maruo. Cortesia do Centro Yamaguchi de Artes e Mídias (YCAM).
Outros artistas, ainda, conseguem muito bem combinar poética e dados, como a brasileira Sabrina Maia, em sua obra SUN[SCAN]SET, que analisa e obtém dados da luz no pôr do sol em tempo real para gerar texturas e gráficos analíticos, além de som.
Frame do vídeo SUN[SCAN]SET da artista Sabrina Maia.
É interessante a presença da arte generativa em áreas como a moda, na qual designers têm despertado cada vez mais interesse por esse tipo de processos para produzir seus trabalhos. Assim como na arquitetura e em outras áreas correlatas, o generativo, quando aliado ao design paramétrico e à impressão 3D, faz tudo ser possível e prático. Assim, os meios generativos produzem resultados de alta complexidade a partir de padrões que evitam que os parâmetros se repitam a cada impressão, tornando as peças únicas, ao mesmo tempo que se trata de um processo muito mais simples no momento da produção (impressão). Algumas artistas radicalizam nos conceitos e nos materiais:
Object 12-1 Designed by Matija Cop.
'Design for life' para Dassault System, de Julia Koerner.
'Amphibio', de Jun Kamei.
'Iridescence', o colarinho interativo de Behnaz Farahi.

Algoritmos generativos podem ser produzidos por meio de linguagens de programação voltadas para artistas como Processing, p5.js, openFrameworks, entre outras. Tais ferramentas open source são completamente livres e podem ser facilmente baixadas e instaladas em PC e outros dispositivos. 

Ambiente de programação Processing (IDE).
Embora estejamos vivendo em um momento de muita preocupação e atenção relacionado à presença da tecnologia em nossas vidas, é possível dizer que, de maneira geral, a interação homem/máquina, no que se refere à arte generativa, se estabelece de modo bastante lúdico, como um jogo de infinitas possibilidades, tanto do ponto de vista do artista quanto do público. A relação artista > obra > público torna- se ainda mais dinâmica e circular quando, em determinada peça de arte generativa, há um input que possibilita o usuário interagir com a obra em jogo. 

 Se entendermos que a arte generativa está num campo de expressão que não mais representa, mas simula, diríamos que isso se estabelece a partir de uma busca por organicidade. As máquinas já não são mais tão duras quanto um dia já foram. A arte generativa deixa bastante visível o orgânico que as máquinas assimilaram dos seres vivos. Cada vez mais penetramos nas máquinas e as máquinas penetram em nós. Após nossa subjetividade ter sido tão afetada pelo que as máquinas tinham de pior, daqui a pouco, talvez, teremos que olhar para elas a fim de enxergar o que tínhamos de melhor. Ou, talvez, numa vida indistintamente ciborgue, nem perceberemos mais tal divisão.

Confira o que Rafa Diniz tem a dizer sobre Arte Generative nesta entrevista exclusiva para a MAGMA aqui: