The restitution of Latin American
memory, in dialogue with Ode.
Em entrevista com a escritora e estudiosa McKenzie Wark publicada na Bomb Magazine em outubro de 2020, a curadora, escritora e artista Legacy Russell fala sobre a gentrificação da memória:
“Quando os lugares gentrificam, muitas vezes tornam os espaços locais irreconhecíveis para as pessoas que são de lá — a gentrificação significa um tipo de apagamento e desencadeia uma espécie de afasia cultural. Nossas memórias se desalinham com o que está ao nosso redor, e lutamos para descrever o que estava lá anteriormente.”
Diante disto, o advento da construção identitária do Brasil nos últimos anos, principalmente em relação ao mundo exterior, manifesta este fenômeno de apagamento descrito por Russell.
Há décadas, o Brasil, o maior país da América Latina, é conhecido por sua cultura exuberante, carnaval, samba, Amazônia, praias e frutas tropicais. Na era da globalização, quando o intercâmbio de acordos com outras nações é necessário para garantir reciprocamente as vantagens do crescimento econômico, é necessária uma imagem nacional favorável. Consequentemente.
AS IMAGENS BRASILEIRAS QUE SÃO PROMOVIDAS NO EXTERIOR TORNAM-SE ALEGORIAS DA REALIDADE E DISSEMINAM ESTEREÓTIPOS IRRESPONSÁVEIS DAS CULTURAS LOCAIS.
Desta forma, embora Jacob Ace não tenha nascido nem crescido no Brasil - um país de origem colonial e anos de ditadura militar em seu passado recente - x jovem fotógrafe nascide em Santa Ana, CA, também experimentou contradições que necessitam de uma nova auto-imagem devido a sua herança latino-americana. Afinal, a construção de imagens de latinos em geral é um processo muito complexo e ambíguo, contendo uma grande quantidade de fetichismo e determinado pela mímica pós-colonial.
Jacob Ace
Santa Ana, CA, é composta em grande parte por comunidades latino-americanas; por esta razão, Ace cresceu cercade por sua cultura, que agora infunde sua produção imagética. Os signos usados por Jacob em suas fotografias e colagens, apesar de serem característicos de sua ascendência mexicana e guatemalteca, não são estranhos para brasileiros que compartilham com x artiste o fato de ser latino-americane. Um par de sapatos familiares tanto para elu como para nós, estão pendurados nos fios acima dos semáforos. Os símbolos religiosos que vemos nas paredes que são fotografados por Ace, também são comumente vistos em casas de famílias no Brasil. Os CDs de cumbia são semelhantes aos CDs de techno brega e aos ritmos das regiões norte e nordeste do Brasil, que se tornaram populares em todo o país em meados dos anos 2000.
Jacob Ace
Embora sejamos amigues, escolhi entrevistar Jacob porque estou interessada em investigar a simultaneidade presente no crepúsculo do espaço-tempo na matriz latino-americana. Pensar o lugar e a paisagem como portas abertas e como espelho de culturas, que permite a inspiração de símbolos, de suas matrizes ancestrais e sua transposição na arte e na vida urbana cotidiana. Ao mesmo tempo, permite que o contexto tradicional dos tempos contemporâneos auxilie em desenvolvimentos susceptíveis de superar situações de limitação social e cognitiva.
Quando perguntade sobre quais estratégias ou formas de desafiar as limitações às quais ser latine aloca sua produção, Ace responde que, honestamente, quando está criando, não está pensando ativamente em desafiar quaisquer limitações que lhes estejam sendo colocadas:
"Sim, eu acho importante desafiar a maneira como as pessoas pensam e vêem as coisas, mas não é assim que eu trabalho, normalmente é assim que as coisas saem. Acho que isso tem uma grande parte a ver com quem eu escolho fotografar. No meu caso, quase todos os modelos que fotografo são meus amigos, então há esta camada extra de confiança quando estou tirando suas fotos, que eu acho que aparece no produto final. Estou apenas tirando fotos das coisas que sei e das pessoas que amo, então suponho que por si só é radical porque não estou seguindo nenhuma tendência".
Jacob Ace
A globalização é um fenômeno antigo. Com a invenção do navio a vapor, juntamente com as economias à deriva na Europa, os colonos viajaram para a Ásia, África e Américas em busca de novas rotas de intercâmbio, riqueza e aventura. O comércio e a produção de imagens se uniram nestas esferas de intercâmbio, ou zonas de contato, levando à violência e à batalhas mortais; mas também à troca de intimidade. O termo "conquista", por exemplo, ou seja, a subjugação do outro, foi expresso através da dominação sexual de território fértil, ou a penetração do corpo de uma mulher. Assim, estes momentos de contato trouxeram pessoas, trocas econômicas e fantasias do outro, para formar novas produções de conhecimento e bloqueios de poder. Com relação às imagens nas indústrias da moda e da arte, não foi diferente.
Quando perguntade quais eram suas justificativas para passar do olhar caucasiano e eurocêntrico (característico da indústria da moda e da arte) para o da América Latina, Jacob Ace respondeu:
"Precisamos criar um cenário de mudança que inspire as gerações futuras a sentirem que podem se mover confortavelmente e com segurança através destas indústrias. No entanto, acho que houve avanços incríveis nos últimos anos, o que não significa que o trabalho esteja feito. Ainda há muitas mudanças que precisam ser feitas a fim de nivelar o campo de jogo".
Um dos sonhos de Jacob é fundar uma agência criativa que atende jovens artistas latinos e artistas de cor e lhes dê as ferramentas necessárias para sustentar uma carreira em qualquer indústria que elus queiram seguir. Embora eu particularmente não duvide disso, Ace duvida de que seu trabalho afeta sua comunidade local. Por esta razão, elu também deseja criar algum tipo de mudança no sentido de que as pessoas possam olhar para seu trabalho e ver pessoas e histórias que nem sempre são mostradas nos contextos da arte e da moda.
Jacob Ace
Apagado pela gentrificação da memória, o entorno de muitas subculturas como a cena do carro clássico, a cultura da tatuagem, a música e o boxe que envolveu a criação de Ace formou suas memórias mais queridas. Uma delas foi uma ida a uma partida de boxe subterrâneo ao lado de seu pai.
"O lugar estava repleto de membros de gangues e modelos de pin-ups. Os estandartes e os pisos eram pegajosos. A chave era muito baixa. As pessoas estavam bebendo e se divertindo. Não havia regras nos jogos de boxe, então eles estavam quebrando vidros e lutando com os vidros e se jogando para fora do ringue. Um dos lutadores tinha sido jogado bem na minha frente e suas costas pousaram em uma pilha de cadeiras e garrafas vazias e ele estava coberto de sangue. Eu realmente desejava ter minha câmera na época. Para dizer o mínimo, eu cresci sem limites".
Algumas das mais belas imagens latinas existem hoje dentro do que pode ser lido superficialmente ou esteticamente como algo de difícil acesso como resultado dos controles coloniais, mas o que acontece em atos de cuidado e códigos de intimidade é muito mais complexo. São coisas difíceis de se falar, mas para fotógrafes como Jacob Ace, elas são facilmente registradas.
SER LATINO-AMERICANO É ALGO QUE PERCORRE MUITOS EXEMPLOS TANTO DAS MINHAS PRÁTICAS DE PESQUISA E PRODUÇÃO COMO DAS DE ACE.
Às vezes ser brasileira tem me servido bem. Outras vezes percebi que cair nos limites de uma ideia geográfica, de um passado histórico, ou mesmo cultural, não conta para este ponto, que é grande.
Neste caminho, identifico-me muito com as fotografias de Ace e, em paralelo, com uma frase de Néstor García Canclini, que diz que a América Latina é, mais do que uma identidade, (pode ser) uma tarefa. O exercício que Jacob propõe, para refletir sobre o que poderia significar ser latino-americane, já é um passo importante para a restituição e expansão de tal imaginário coletivo.
Durante o processo de criação do artigo, Ode a Jacob criaram esta playlist, com músicas que elus escutavam durante a infância e adolescência. Idiomas diferente, porém com pontes culturais entre ritmos e imagens.